sábado, 5 de novembro de 2011

Mia Couto e O Guardador de Rios - Ressonâncias

Encontrei hoje na Livraria Cultura um livro que me “chamou”. São ensaios do Mia Couto. Chama-se: “E se Obama fosse africano?”

Vou transcrever para vocês, aqui, a nota introdutória. Ela ressoa no meu peito.

O título da nota é “o guardador de rios”, e diz assim (grifos meus):

            Depois da Independência, um programa de controlo dos caudais dos rios foi instalado em Moçambique. Formulários foram distribuídos pelas estações hidrológicas espalhadas pelo país e um programa de registo foi iniciado para os mais importantes cursos fluviais. A guerra de desestabilização eclodiu e esse projecto, como tantos outros, foi interrompido por mais de uma dúzia de anos. Quando a Paz se reinstalou, em 1992, as autoridades relançaram o projecto acreditando que, em todo o lado, era necessário recomeçar do zero. Contudo, uma surpresa esperava a brigada que visitou uma isolada estação hidrométrica no interior da Zambézia. O velho guarda tinha-se mantido activo e cumprira, com zelo diário, a sua missão durante todos aqueles anos. Esgotados os formulários, ele passou a usar as paredes da estação para grafar, a carvão, os dados hidrológicos que era necesssário registar. No interior e no exterior, as paredes estavam cobertas de anotações e a velha casa parecia um imenso livro de pedra. Orgulhoso, o guarda recebeu os visitantes à entrada e apontou a madeira da porta:

            - Começa-se a ler por aqui, para ir habituando os olhos ao escuro.

            “A esperança é a última a morrer.” Diz-se. Mas não é verdade. A esperança não morre por si mesma. A esperança é morta. Não é um assassínio espectacular, não sai nos jornais. É um processo lento e silencioso que faz esmorecer os corações, envelhecer os olhos dos meninos e nos ensina a perder crença no futuro.

            O episódio da estação hidrométrica passou a ser um dos alimentos do meu sentimento de esperança. Como se me lembrasse que devo dialogar com invisíveis rios e tudo em meu redor podem ser paredes onde eu nego a tentação do desalento.

            Tal como o anterior Pensatempos, este não é um livro de ficção. Os textos que aqui se reúnem cumprem a missão de intervenção social que a mim mesmo me incumbo como cidadão e como escritor. Com a excepção do artigo sobre a eleição de Obama, todos os restantes textos foram concebidos para alocuções a serem proferidas em encontros e colóquios dentro e fora de Moçambique. (...).

            (...). Acredito, porém, que os rios que percorrem o imaginário do meu país cruzam territórios universais e desembocam na alma do mundo. E nas margens de todos esses rios há gente teimosamente inscrevendo na pedra os minúsculos sinais da esperança.
            Mia Couto

Quem sabe, em algum outro momento, escrevo algo mais sobre essa ressonância...por enquanto fica assim, em aberto, ressoando...